Estilo Gastronômico
Orgulho de ser boteco em Pelotas
Estabelecimentos comerciais apostam na simplicidade para cativar os clientes
Carlos Queiroz -
“Desce mais uma!”, “Mais uma rodada!” e “Manda a saidera!” são frases que comprovam que o sujeito está no boteco, o ambiente habitual para os boêmios de plantão. Derivação de botequim, o boteco é um estabelecimento comercial onde se vende bebidas em geral e alguns lanches. São ideais para happy hour, mas o horário de funcionamento pode variar, podendo abrir nos três turnos.
Os botecos apostam na simplicidade. Não almejam apresentar um recinto sofisticado. Por isso, o cardápio costuma ser restrito. Apenas salgados e pequenas porções, normalmente fritas. Nas bebidas, cerveja pilsen e cachaça são os mais pedidos. A decoração não é um primor, como a dos locais projetados por arquitetos. São espaços rústicos, improvisados, descolados mesmo. Possuem um charme característico que os clientes assíduos não negam.
Frente a uma tendência de ambientes cada vez mais modernos, os botecos vão contra a corrente em sua autenticidade. Os proprietários valorizam esta atmosfera informal e totalmente familiar. Entre tantos empreendimentos do setor, o caderno Estilo Gastronômico visitou três tradicionais pontos em Pelotas. Apesar de terem a palavra “bar” no nome, cada um deles se considera, com orgulho, um boteco.
Bar do Rogério
Foi numa garagem pequena na rua Andrade Neves que surgiu o Bar do Rogério, em 2002. Neste pequeno espaço, alguns integrantes da velha guarda se reuniam nos finais de semana para uma roda de samba. Dois anos depois, a tradição foi levada para a atual sede do boteco na rua Doutor Cassino. O público aumentou ao longo de uma década e, em 2008, fundou-se a Confraria do Samba, confirmando esta manifestação popular.
O movimento intenso na casa ocorre aos sábados com o projeto musical. Durante a semana o clima é de boteco, mais tranquilo para os clientes beberem uma gelada. O happy hour oferece ainda transmissão de jogos de futebol e uma seleção de petiscos, como bolinho de peixe, picadinho, croquete e outros.
Quando a equipe do Diário Popular adentrou o espaço frequentado praticamente pelo público masculino, um dos clientes largou: “Cuidado com a foto! A minha mulher não pode saber que estou no boteco”. A frase simboliza o clima de descontração e farra entre os clientes. Vários grupos de amigos/frequentadores juntam-se quase que diariamente para jogar conversa fora e aproveitar a novidade do chope.
O proprietário afirma que o público está mudando, principalmente com o novo ambiente. Desde abril deste ano, o Bar do Rogério dispõe de duas unidades na mesma quadra. O prédio foi vendido e o dono do boteco transferiu seu negócio para duas casas ao lado. No fim, o responsável pelo imóvel deixou Rogério ficar no espaço original. Assim, ele abre diariamente, das 9h às 21h, no novo local e deixa para ocupar o tradicional espaço para as edições da Confraria do Samba. Além dos sábados, a partir das 11h, recebe música ao vivo também nas sextas-feiras, das 19h às 22h.
A recente instalação conta com seis mesas de madeira, uma bancada e até decoração com papel de parede, quadros, espelhos e uma gaiola de passarinho antiga. Boa parte do material foi deixada de uma loja que anteriormente funcionou no local. Mesmo com os adereços, o estabelecimento do Rogério segue como boteco.
Bar do Nenê
Nenê é uma figura folclórica da noite pelotense. O senhor de humor instável encantou alguns clientes e afujentou outros durante as quatro décadas em que manteve um boteco na esquina da Andrade Neves com Argolo. Apesar de ter repassado o estabelecimento, a história continua sob a gerência dos amigos Bruno Cavalheiro e Ricardo Corrêa.
Faz seis anos que a presença emblemática de Nenê deixou seu lugar cativo atrás do balcão. Passaram outros proprietários pelo local até estacionar na gestão atual, que decidiu valorizar as tradições do ponto. “O Bar do Nenê é um patrimônio da cidade”, comenta Ricardo.
Os clientes antigos seguem fiéis e respondem por 50% dos frequentadores, sem hesitar no relato de histórias sobre o bar. Descobriu-se assim que, com 20 e poucos anos, Nenê e a esposa tomaram conta do estabelecimento que, na época, começou com apenas uma loja. Depois o espaço foi duplicado.
A história do Bar do Nenê começou em 1971 e de lá pra cá apenas uma coisa não mudou: o bolinho de batata. O local ficou conhecido em todo o Estado (e até fora dele) quando o comentarista Paulo Santana elegeu o petisco pelotense como o melhor bolinho de batata. A revista Viagem passou por Pelotas e também elogiou a iguaria. Nenê continua a fornecer o produto para o bar. Pedido obrigatório para novos e antigos clientes.
A atual gestão também apostou em uma maior divulgação do estabelecimento na internet. Bruno, que também é dono de uma agência de publicidade, optou por atualizar a marca e o cardápio. Na linha gastronômica, o repertório inclui agora pizzas uruguaias e caldos quentes. Os pratos ganharam o acompanhamento do molho Garotinho, feito com maionese caseira, cebola desidratada, mostarda, chimichurri e salsa.
O boteco adquiriu um toque gourmet ao oferecer chope artesanal. Também passou a contar com música ao vivo de quinta a sábado. Cada noite é voltada a um estilo. Quinta é a vez de MPB, sexta tem rock e sábado reside o samba. “É uma proposta nova para um lugar tradicional”, define Bruno. Sem perder a rusticidade, aquela do famoso proprietário e seu habitat. “Melhorias são bem-vindas, mas sem deixar de ser boteco”, garante.
O Bar do Nenê funciona de segunda a sábado, das 18h às 0h. Logo na recepção, o cliente é recebido com uma porção de amendoim nas mesas. É um detalhe, mas faz diferença no atendimento, principalmente por manter uma uma tradição típica de boteco.
Bar do Zé
A esquina é do Zé. No encontro das ruas Álvaro Chaves e Conde de Porto Alegre, ele montou seu pequeno armazém e, depois, transformou-o num boteco. Hoje, o local é administrado por André Lapuente, que, mesmo após a compra do bar, não teve como fugir do nome original, Bar do Zé. Inclusive, os clientes chamam o atual proprietário de Zé.
Há mais de 70 anos a esquina é um ponto de comércio. Seu Zé ficou mais de três décadas no espaço. Inicialmente, com uma mercearia que abastecia a região do Porto, um clássico secos e molhados. Com mais supermercados e atacados na cidade, as pequenas mercearias tiveram seu movimento diminuído. Aos poucos, tornou-se um boteco que também vendia produtos de casa. Até mesmo frutas conviviam em harmonia com as mesas e os freezeres de cerveja.
Aposentado, Seu Zé decidiu parar de trabalhar à noite e vendeu o bar. Faz seis anos. O novo proprietário tirou o que restava de armazém e manteve as características de boteco. Apostou mesmo na bebida, com cerveja e vinho, e inseriu alguns petiscos no cardápio, como iscas de peixe, batata frita, polenta, aipim e iscas de frango.
A fachada recebeu o grafite de três artistas e clientes do bar, Gordo 17, GuiNR e Théo Gomes. O colorido externo ofereceu uma identidade para o boteco. André ainda apostou em uma logomarca do empreendimento para os materiais de divulgação.
Uma das particularidades do ambiente é a presença de uma jukebox. Apesar de utilizar somente arquivos em mp3, funciona da mesma forma que as antigas com discos de vinil: compra-se a ficha e escolhe a canção. O dono garante que o aparelho tornou o processo muito mais democrático.
Ainda no som, o Bar do Zé recebe música ao vivo durante quatro dias por semana, pós 22h30min. São atrações fixas: quarta de samba com Darlan e Banda; quinta com Moisés Soares; sexta de rock com músicos e bandas diversas e sábado de pop, rock e MPB na companhia de Rafael Z.
Mesmo com as mudanças, André não almeja transformar o espaço em pub ou um bar mais sofisticado. Não quer mexer na filosofia do boteco. Foi na simplicidade que o negócio deu certo, junto do público formado principalmente por estudantes. A localização possibilita a presença dominante dos jovens, uma vez que está próximo dos campi da Universidade Federal de Pelotas. O Bar do Zé funciona de segunda a sexta a partir das 18h e aos sábados das 22h às 3h.
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